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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O porco

Então, sabem o que é o bom desse Blog?
Fazer uma ligação entre os acontecimentos da vida real, em esfera nacional, mundial, ou na minha própria vida com alguma postagem bem humorada ou profunda, depende o momento.
Esse é o caso de hoje, mas o mais legal ainda é que eu só fui achar a postagem no Blog da Cris.
Essa crônica é de um conterrâneo meu, Flavio Luiz Ferrarini e retrata o nosso dia de hoje e amanhã, onde foi voltado a matar o porco e fazer salames.
Boa leitura e até mais.




Começaram a me engordar há algumas semanas. Mal havia completado um ano de idade. Puseram-se num recinto de pouco mais de um metro quadrado. Instalaram uma tina para água que fica metade dentro da minha casa e metade suspensa do lado de fora. Acho que pretendem, com isso, evitar que eu faça minhas necessidades fisiológicas na água que me sacia a sede. Aparecem duas vezes ao dia: pela manhã bem cedo e ao cair da tarde. Toda vez que os ouço se aproximarem, meto-me a grunhir, pois sei que estão me trazendo uns bons pares de espigas de milho. Algumas vezes o milho vem carrunchado, porém não reclamo. Abrem uma pequena fresta na porta e, atiram meu desjejum e jantar no meio do chão. As vezes, vem seu Giocondo com suas olheiras papudas e dois tufos de cabelo saindo-lhe das orelhas e noutras vem dona Ermelinda. Seu Giocondo é um homenzarrão cujo pescoço fica acima da altura do telhado de uma água da minha casa. Para atirar as espigas precisa curvar-se tanto que a sua coluna range. Por quatro ou cinco vezes, seu Giocondo apareceu para faxinar minha casa munido de uma pá. Sempre dá conta do serviço recitando um rosário de blasfemas. Na última vez que entrou aqui, dei-lhe uma bela de uma focinhada na área desacostumada ao sol. Acho que seu Giocondo não achou a menor graça do meu atrevimento, pois meteu-se de pé de forma tão violenta que seu cocoruto furou o teto. Então berrou com toda a força dos seus pulmões: Se atreva a fazer isso de novo e irá para a faca ainda hoje. A essa ameaça, recuei de ré a um cantinho e grunhi baixinho.

A verdade é que em poucas semanas já ganhei um peso que faz tremer pratos de balança. Mal posso com meu peso. Tenho passado boa parte do tempo deitado. Perdôe-me a sinceridade, mas muitas vezes tenho que fazê-lo sobre meus próprios excrementos. Ontem, seu Giocondo apareceu mais tarde que de costume. A noite já havia enovelado os últimos fios de claridade. Seu Giocondo jogou-me apenas duas espigas de milho. Pelo que sei ... saber, não, desconfiar, esta deverá ser a ultima noite da minha curta vida. Amanhã o dia deve clarear com chuva. Dia perfeito para se matar um porco. Logo cedo, estarei pendurado no alicerce da casa, de cabeça para baixo, aberto em dois. Apesar do destino cruel que me espera não mudo minha rotina. Dou conta das duas espigas bem rapidinho. Bebo um pouco de água e tomo a deitar-me no mesmo canto das últimas três semanas. As frestas e a fragilidade das tábuas do soalho enfraquecido pela minha urina e meu imenso peso, representam perigo. De repente, posso cair lá embaixo e seu Giocondo precisará vir pescar-me com todo cuidado, pois, certamente, reconhece a qualidade da mercadoria que tem em mãos. Começa a clarear o dia. Encharcado pela chuva, seu Giocondo trás um metal que brilha. - Toca depressa, Ermelinda - diz seu Giocondo, com ar enervado.

Estremeço.

O único consolo que me resta é que serei muito apreciado depois de morto, ao contrário do que acontece com a grande maioria dos escritores.


Flávio Luis Ferrarini

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